Por: Sanatiel Pereira
Membro da ALL, ACLAC e da SOBRAMES, escritor, engenheiro, pesquisador e professor da UFMA
Outro dia, em uma grande festa de casamento, fui surpreendido pela despedida precoce de um dos meus amigos, quando a festa mal tinha começado. Perguntando-lhe sobre a razão da tão breve permanência, quando ainda nenhum serviço tinha sido iniciado, ele, com reservas, baixinho, me falou aos ouvidos: “Eu tenho medo da noite!”.
Abracei meu amigo, deixando estampada a minha satisfação em revê-lo, mas lamentando a sua partida, ainda tão cedo. Ele foi embora e deixou-me meditando sobre o significado do que me segredou aos ouvidos. O que ele queria dizer com aquela frase? Confesso que até ontem não havia encontrado nenhuma interpretação convincente sobre o que realmente ele queria me dizer.
Pensei inicialmente que talvez houvesse alguma ligação com o trânsito de São Luís no período da noite. Sem sombra de dúvidas, trafegar à noite por nossas ruas e avenidas não é algo que traga prazer. Muito pelo contrário, a insegurança vai desde as condições da pista até a abordagem inesperada e indesejada de uma moto ou outro veículo desconhecido. Os assaltos estão acontecendo e aumentando, de forma descontrolada, por todo e qualquer lugar da cidade, que já foi pacata e onde todos se conheciam.
Imaginei depois que meu amigo podia sofrer de insônia e tinha a noite como amiga silenciosa, que não se prestava a um diálogo aberto, e cheia de lembranças indesejáveis. Não consegui imaginar o que seria isso. Reflexões sobre a vida pregressa, principalmente à noite, em determinada idade é um descalabro. Melhor é dormir mesmo, abandonando qualquer tentativa de explicar o inexplicável. Eu vou mais longe: esqueça o passado; cuide do hoje como se fosse o último dia.
Muito depois percebi a ausência desse meu amigo nas reuniões sociais. Fiquei preocupado, confesso, com essa exclusão voluntária. Ele não estava doente; soube por outros conhecidos estar somente em reflexões que não acabavam mais. Pensei em tom de brincadeira: seria oportuno e talvez gratificante se entrasse na vida de mosteiro. No Brasil não sei se existem instituições desse tipo, que albergam pessoas renunciadas, em busca da compreensão da vida e de Deus. Mas será essa a sua procura?
Mês passado, encontrei outro amigo que me disse a mesma coisa: “Eu tenho medo da noite”. Sem perder a oportunidade, pedi-lhe que me explicasse. Ele me olhou com surpresa, como se dissesse: “Você não sabe mesmo o que é isso?”. E, em poucas palavras, falou-me da vida fugaz que passamos sobre a Terra e que se exaure à medida que o tempo passa. Sem compreender aonde ele queria chegar, incentivei com o meu olhar para que continuasse: “Amigo, dependendo da nossa permanência aqui, chegará um tempo em que não conheceremos mais ninguém. Eles passarão ao nosso lado e nos verão como um fantasma colorido de um tempo que já passou”.
Depois de alguns dias meditando sobre o assunto, tirei a seguinte conclusão: pode ser até verdade, mas vai depender, também, das relações que foram feitas durante a vida e do serviço devocional que prestou dentro da sociedade. Mesmo porque ninguém pode colher o que não plantou, seja qual for o tipo de semente.
Agora, atento aos sinais do tempo, antes que a noite chegue, corro atrás dos raros amigos contemporâneos que encontro, em qualquer lugar desta cidade em expansão, para dar-lhes abraços e dizer-lhes que ainda estamos vivos - e que valeu a pena a nossa viagem. E como valeu!