Recebi, generosamente, da professora doutora Achiléa Lisboa Bittencourt, da Universidade Federal da Bahia, um exemplar da publicação Pro Dignitate Medicinae, escrita por seu pai dr. Achiles de Faria Lisboa, in memoriam, ao dr. Luiz Alfredo Netto Guterres. Essa obra é de suma importância para mater vivo na história do Maranhão o legado de humanismo na medicina deixado pelo dr. Netto Guterres.
No curso de sua descrição, dr. Aquiles Lisboa narra que conheceu o dr. Netto Guterres no Rio de Janeiro, no início do século XX, na Faculdade Nacional de bMedicina, onde ambos cursavam Medicina. Antes mesmo de graduar-se, o dr. Netto Guterres foi interno do Serviço de Pediatria da Santa Casa do Rio de Janeiro, sob a chefia do famoso pediatra Barata Ribeiro, onde se houve com tamanha dedicação e competência que, ao graduar-se médico, foi convidado para ser assistente desse renomado professor, mas preferiu voltar ao Maranhão. “Netto Guterres tinha esse mesmo vício espiritual de que também sofro e me ufano, e era um dos fios condutores dessa identidade sentimental que nos unia. Era visceralmemte, molecularmente, amigo do Maranhão e só nesta terra concebia a ventura de viver, trabalhando pela solução dos problemas sociais”.
E prossegue dr. Achiles: “(...) veio assim Netto Guterres para São Luís, onde seu devotamento lhe proporcionou esse gozo íntimo de viver aqui a amenizar as dores e a salvar a vida de muitos dos seus conterrâneos, sobretudo desses desamparados da fortuna, no meio dos quais pode dar a mais larga expansão aos seus instintivos sentimentos de caridade. Não era o médico para o ganho. Era sim, o sacerdote da medicina para lutar, levado apenas pelo, ditame íntimo da sua devoção aos pacientes”.
O dr. Netto Guterres desenvolveu uma grande ação médico-sanitária e humanitária no Pronto Socorro dos Ulcerados, fundado pelo dr. Achiles Lisboa em 1918, com o auxílio de algumas pessoas abnegadas, onde atendia aos portadores de úlcera fagedênica, que existiam em grande número na cidade e interior da ilha de São Luis. Quando este fechou, continuou seu trabalho humanitário na Farmácia São Vicente de Paulo, onde atendia a todos indistintamente e, se estes não tivessem recursos para comprar os remédios prescritos, eles os fornecia gratuitamente, razão por que foi denominado de "o médico dos pobres". Foi o criador da primeira Escola de Enfermagem de São Luís, no Hospital Geral do Estado, em cuja maternidade também trabalhou.
O dr. Achiles Lisboa concluiu seu ensaio sobre a vida de dr. Netto Guterres com esta frase: “(...) médico, cuja última cliente foi uma paupérrima hanseniana parturiente, pela salvação de cuja vida sacrificou a própria”. Eis um grande exemplo a ser seguido pela atual e pelas futuras gerações de médicos.
Luiz Alfredo Netto Guterres Soares, seu neto, nos relatou que “o seu enterro foi, na verdade, no dizer do médico Clarindo Santiago, um grande laço humano, ligando a sua residência, à Rua do Alecrim, ao cemitério do Gavião. Toda a cidade de São Luís parou na despedida final” (Dr. Netto Guterres - O Médico dos Pobres. Ensaio. 2002) e o médico Raimundo de Matos Serrão, ao relembrar do referido enterro, diz que ouviu-se, entre os oradores, a voz fluente do padre Astolfo Serra, ecoando por entre casuarinas, a dizer: “apagaram-se todas as luzes. A própria natureza, compugida, chora a falta do benemérito de arte de Hipócrates” (Periódico Hospital em Notícias. Ano III. São Luís-MA. 1973. Nº 3).
José Márcio Soares Leite
Professor Doutor em Ciências da Saúde do UNICEUMA, presidente da Academia Maranhense de Medicina, Cadeira nº 16. Membro do IHGM, da AMC, da APLAC, da SMHM, da SBHM e conselheiro do CRM/MA