Todo mês de agosto, a cidade de Vargem Grande se enche de romeiros, vaqueiros com seus cavalos, chapéu e gibão, que chegam de vários lugares, para celebrar um santo que nunca foi reconhecido pela Igreja: Raimundo de Mulundus. É por causa dele que os fiéis se amontoam na saída da procissão, tocam suas sanfonas, tambor de crioula, vaqueiros aboiando, e em todo o entorno da festa as radiolas de reggae, paredões de som, bandas, muita comida e bebida, numa mistura de festa pagã e religiosa, que dá um colorido especial para esse festejo, que não há em nenhum outro local do Maranhão.
Uma das maiores festas religiosas do Brasil, os festejos para São Raimundo dos Mulundus têm atraído cada vez mais romeiros e pessoas interessadas em conhecer a peculiaridades culturais do lugar.
Origens
Tudo começou há mais de 100 anos, no fim do século XIX, no povoado de Mulundus, pertencente a Vargem Grande, onde viveu o vaqueiro Raimundo, que era um homem de grande fé e devoção, muito querido por todos.
Diz a lenda que, após a sua morte, por causa de queda de cavalo, em frente a uma carnaubeira (árvore típica da região), os galhos da planta passaram a realizar milagres e foram arrancados, ao longo do tempo, até não existir mais nenhum ramo entre as folhagens. Daí em diante, a fama dos milagres do santo vaqueiro foi se espalhando pela região, atravessou o tempo, e hoje arrasta uma multidão de devotos no mês de agosto e movimenta a economia de toda as cidades da região que servem de passagem, como Itapecuru, Chapadinha e Nina Rodrigues.
A paróquia local comemora o dia oficial de São Raimundo Nonato, 31 de agosto, o santo de origem espanhola, reconhecido pelo Vaticano. Porém, a grande maioria dos romeiros ali presentes chegam em devoção ao Raimundo de Mulundus, numa simbiose pacífica e curiosa entre esses dois personagens que se tornam um só, protagonizando todo o enredo dessa festa curiosa e cheia de riquezas culturais.
Por essa razão, não é à toa que o festejo de Mulundus é sempre objeto de estudo de pesquisadores, religiosos, historiadores e profissionais da cultura. O santo vaqueiro, frequentemente, é tema de reportagens, canções, músicas, vídeos, filmes, artesanato e de fotógrafos ávidos pelas belas imagens da procissão e sua enxurrada de cavalos levantando poeira na passagem dos vaqueiros sob os aplausos dos romeiros.
Toda essa peculiaridade não é de hoje. A herança histórica mostra que a região desde tempos passados já produzia feitos raros. A Balaiada, o maior movimento popular da história do Maranhão originou-se ali, ainda na antiga Vila da Manga (hoje Nina Rodrigues), quando Vargem Grande ainda não havia se emancipado.
Em frente à Praça Matriz, Luis Alves de Lima e Silva (o Duque de Caxias) aportou com suas tropas, enviado pela regência portuguesa, para acabar com o movimento, que ameaçava o domínio da família real no Brasil. A Balaiada se espalhou por outras cidades e foi controlada numa batalha sangrenta, onde hoje é a cidade Caxias.
Mas até hoje, pode-se observar na região os resquícios dos balaios e suas origens, como a Praça Matriz da cidade, o Museu da Balaiada e nos nomes das localidades, como no caso do povoado Trincheiras. Além disso, diversas comunidades quilombolas circundam a localidade, trazendo o calor do tambor de crioula como mais uma peça desse mapa histórico e cultural da região.
Entre elas, a mais importante, a comunidade da Rampa, que está completando 200 anos de história, e deu origem a outros 14 quilombos, que compõem todo território quilombola de Vargem Grande. Jovens das comunidades criaram a TV Quilombo, com conteúdo semanal, contando a história e o cotidiano local. Além da criação do Coletivo de Cinema Balaiada, para produzir vídeos e filmes sobre a região direcionados para festivais, como Maranhão na Tela, Mostra Sesc de Cinema, e Guarnicê de Cine Vídeo.
Ajudam a compor esse cenário multicultural, os grupos de bumba meu boi de orquestra, como Brilho do Sol Nascente e Boi de Nina Rodrigues, além das danças portuguesas e quadrilhas que resistem à crise com seus figurinos luxuosos e coreografias trabalhadas para competições e concursos locais.
A cidade também possui a única Escola de Sanfona do Maranhão, no projeto social “Sanfoneiros do Iguará”, que já formou alguns alunos para nova geração do forró e deu origem ao Trio Mulundus, que participa todos os anos do São Joao oficial da capital, São Luís. Os sanfoneiros e os vaqueiros enchem as ruas da cidade com seus aboios, dando um tom triste e solene para uma festa cheia de atrativos. Radiolas de reggae, paredões de som, forró, shows e festas nos clubes movimentam a cidade todas as noites, a partir do dia da Romaria, hoje, 22, até o seu encerramento, dia 31 de agosto.
O Festejo de São Raimundo dos Mulundus é uma prova viva da riqueza cultural do Maranhão, que vai além do litoral e tem muito a dizer sobre a importância do interior do estado para formação de nossa identidade. Em um estado tão diverso quanto o Maranhão, é fundamental reconhecer nas pequenas cidades do interior sua contribuição para a sua beleza, história e diversidade cultural. É necessário valorizar essas manifestações, para que não se perca a memória e entender melhor as cores que ajudam a construir esse mosaico.