"Acostumei-me, desde que me foi dado praticar, a provar o que assevero. O que digo, provo...” Palavras de Adelman Correa, jornalista maranhense que viveu no início do século XX e fez carreira nesta profissão principalmente no jornal diário Folha do Povo que pertenceu a Tarquínio Lopes Filho.
Eis na frase um lema, uma divisa, que deveria ostentar e sustentar toda prática profissional, especialmente a jornalística. Dentre as muitas funções de que se ocupou, Adelman também foi tabelião. Talvez por causa disso, formou-se em Direito, donde a aguda percepção manifesta sobre sua prisão que teve como único condão atender à ferocidade com que o então governador, Godofredo Mendes Viana, tratava a quem considerava inimigo.
Além de demonstrar com abalizada análise a anárquica administração do Estado - o que efetivamente o tornou o inimigo mor de Godofredo - a acusação que o levou à prisão, sem qualquer suporte aos seus direitos, veio muito posterior: se disse que estava mancomunado com a Coluna Prestes, que entrara no Maranhão no ano anterior e aqui, ao longo de sua passagem, nada fez.
Nem assim Adelman recolheu sua magistral pena e teve a liberdade cerceada em razão de sua escrita refinada e irônica, repartindo dias com encarcerados da época. Relembro das Catilinárias, onde Cícero manifesta o nível a que o personagem Catilina chegou: um homem que ocupou importantes cargos públicos (questor e pretor), teve riqueza e berço, mas agora tem a companhia de gente de baixa qualidade moral e social. Perdido em seus planos, foi rejeitado por vários homens de bem que se recusaram a abrigá-lo em suas casas, por fim, o pretor Quinto Metelo, também o rejeitou: E, repudiado por ele, imigraste para casa do teu comparsa Marco Metelo, esse grande homem de quem pensaste, claro está, que havia de ser o mais cuidadoso em te guardar, o mais esperto para te vigiar e o mais enérgico para te defender.
Em certa passagem de Os meus dias de cadeia, Adelman conta a história de Neusa, uma pobre prostituta que manteve concubinato com um soldado inferior, como o chamou o autor. Um incidente precipita uma crise de ciúmes do enamorado soldado. Neusa lhe resiste e se nega a dar-lhe amor, o que faz com que o baixa patente se queixe, imaginem, ao general João Gomes, o mesmo que inflingiu a Adelman, a mando de Godofredo Viana, o suplício da prisão. Eis que surge o jornalista com a caneta como um aríete: “... é uma amazona da corte dos revolucionários. Prendem-na e embarcam-na. É submetida à revista do general... A perigosa criatura, aos olhos do general, era uma fera.”
Como alento na cadeia teve Adelman a música. Exímio flautista, conta que, preso e sentindo todas as dores que impõe a injustiça, diz: “toquei flauta quanto pude e esqueci-me da miséria dos meus perseguidores como me elevei a regiões do sentimentalismo, quando alguma nota, vibrante, me recordava o aconchego da família, que me foi privado pela perversidade humana.” Como músico, foi laureado com a medalha de ouro num concurso pela valsa para piano Rosalaura. Medalha que lhe foi conferida pela Editora parisiense H. Schoencrs-Millereau.
Recordo Memórias de Cárcere, obra na qual o escritor Graciliano Ramos vaticina que “Se nos largassem, vagaríamos tristes, inofensivos e desocupados (...)”. Ao contrário, Adelman projeta sua saída para o mundo, a liberdade e a esperança. Um homem que do seu tempo que se tornou exemplo para as futuras gerações.
Natalino Salgado Filho
Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da AML, AMM, do IHGMA e SOBRAMES