Por vários e vários anos, Aline Cutrim, hoje com 27 anos, ficou marcada como a “menina do sequestro”. Na escola, na vizinhança, no médico, na rua, em qualquer lugar que frequentasse as pessoas viravam duas vezes a cabeça para se certificar de quem estava à sua frente e pedir que a garota revivesse sua história. Dos cinco anos até a metade da adolescência, ela era obrigada a contar como foi sequestrada de dentro da escola e um ano depois ela mesmo contribuiu para o seu resgate.
Sim, Aline é “a menina do sequestro”. Entre os anos de 1993 e 1994, a história dela tomou conta de todos os noticiários no Maranhão e até do Brasil. Em 28 de outubro de 1993, quando tinha apenas 4 anos, ela foi levada da escola por uma mulher. E mesmo com pouca idade, e o fato tendo ocorrido há mais de 20 anos, Aline lembra da maioria dos detalhes do momento.
O sequestro
Segundo conta a história, no dia em que foi sequestrada, sua mãe a deixou na escola, como sempre fazia. Pouco tempo depois, a mulher apareceu. Primeiro travou um diálogo rápido: “Oi, como é seu nome?” “Aline”, respondeu a garota. “É você mesmo que estou procurando”. Depois disso, a sequestradora a fez acreditar que se tratava de uma parente distante, contou que a mãe de Aline havia sofrido um acidente e que ela tinha que ir para a casa da nova tia.
A mulher pagou um sorvete para a criança e a colocou dentro de um ônibus. Foram parar no Cohatrac, onde a pequena recebeu o nome de Natália, uma filha da sequestradora que havia morrido, e era obrigada a chamar a mulher de mãe. “Mas eu não acreditava em nada do que aquela mulher dizia”, afirmou Aline.
Ficou um ano sendo Natália e lembra dos momentos de sofrimento que passou na casa, no bairro do Cohatrac. Como, por exemplo, o dia em que ganhou a cicatriz que carrega na testa. Um dia, a sequestradora tentou matricular a garota na escola. Lá, pediram que ela escrevesse o nome no caderno. Institivamente, ou somente por saber isso, ela escreveu Aline. Em casa, a sequestradora começou a brigar com a menina, afirmando que ela era Natália. A jovem retrucou e disse que era Aline. A mulher mais velha então pegou o caderno, rasgou a folha de papel e fez a mais nova engolir.
Ainda assim, Aline seguiu dizendo que não era Natália. A mulher ficou então com mais raiva, pegou um cinto e com a parte da fivela bateu na testa da menina. A ferida abriu e o sangue jorrou. Como não podia ir para o hospital, pois não tinha documentos da criança e teria seu crime descoberto, a mulher, que era auxiliar de enfermagem, resolveu suturar a ferida ali mesmo, sem os equipamentos necessários e sem anestesia. “Meu colega de trabalho diz que a história da cicatriz comove ele mais do que a história do sequestro em si”, conta Aline.
Aline voltou para casa cerca de um ano depois do sequestro. Seus pais já a procuravam por todos os cantos. Mesmo a polícia já tinha abandonado o caso, mas Iris e Euvaldo Cutrim já estavam procurando a filha até mesmo no Paraguai, no rastro de uma quadrilha internacional de tráfico de pessoas.
Nessa mesma época, receberam a ligação do proprietário de uma farmácia, no Cohatrac, afirmando que ele tinha encontrado Aline. Pensando se tratar de um trote, já que recebiam muitos, Euvaldo não acreditou muito no comerciante e pediu provas de que eles tinha achado a menina. Foi aí que pai e filha se falaram, por telefone, pela primeira vez em um ano. Quando ouviu a voz da menina, ele soube que que realmente se tratava da verdade, saiu correndo de casa, pegou o carro do irmão, um Maverick amarelo, e dirigiu para o resgate.
Mas foi a própria Aline quem se encontrou.
Depois de um bom tempo morando com a sequestradora, ela já estava bastante magra, cabelos mudados e completamente diferente da menina que foi roubada da escola. Agora, ela podia sair de casa, ia no comércio, fazia pequenas compras.
Um desses dias, passando em frente a uma farmácia, viu o próprio cartaz de desaparecida grudado no estabelecimento. Ela se aproximou da pessoa que estava no balcão e disse: “Olha, essa daí sou eu”. O homem chegou a duvidar da menina e pediu provas, como a cicatriz que a sequestrada teria no pé. Aline mostrou a marca e, na mesma hora, ele a escondeu e ligou para o número no cartaz.
Por muitos anos, Aline não gostou de contar sua história. Não por trauma ou algo do tipo, já que, fora as sequelas físicas, não lhe restaram problemas psicológicos do caso, mas porque por onde quer que andava as pessoas lhe perguntavam a história. Queriam saber cada detalhe.
Mesmo meses depois que foi encontrada, ela teve que se submeter a entrevistas, jornalistas, programas de televisão. Na escola, a cada novo aluno que conhecia, cada novo professor, tinha que recontar tudo. Não aguentava mais. Sem falar na deferência que ela tinha. Todo mundo lhe tratava como diferente, especial, e o que a menina mais queria era ser normal. Algo que lhe foi roubado na porta da escola por uma mulher.